Gosto de pensar que minha experiência com audiovisual começou bem cedo. Me lembro bem de pegar emprestado o celular do meu pai, ali por volta de 2006 (com um nokia 6101 que bombava na época).Esse celular era incrível pois eu descobri sozinho que, além dele oferecer 144 pixels de puro charme, com ele era possível pausar e continuar a gravação sem a necessidade de criar um novo arquivo. Depois de uns anos, minha tia trouxe dos states uma mini DV da Sony pro meu pai, que eu confisquei para mim . Guardo e uso até hoje e foi um dos principais gatilhos de eu amar isso tudo. Como não fazer uma coisa que eu mesmo inventei? No final de 2012, o mundo não chegou a acabar mas meus tempos em Viçosa-MG, cidade da qual passei toda a minha infância, estavam se esgotando. Fui aprovado pelo Enem e pelo Pism para cursar Artes e Design na UFJF e por ali conheci muitos amigos. Muitos deles, tinham uma vontade muito legal de produzir e me ensinaram muito. Assim produzimos algumas webséries, fotografias e outras mídias para aulas e também para diversão própria. Sem nenhuma pretensão de colocar em festivais, de tentar monetizar ou mesmo de ter uma produção mais profissional. No meu terceiro período da faculdade de artes, me adiantei e peguei um materias do curso de cinema.
Pedro Baapz no estúdio Mixirica Records. Foto de Rebeca Telles
Coincidiu com a estreia do estúdio de Cinema Almeida Flaming do IAD e pude ser um dos primeiros felizardos a conseguir levar equipamentos para fora e com uma equipe formada, rodei meu primeiro curta. Hoje eu o vejo como irresponsável, tem vários esteriótipos que eu ainda não tinha desconstruído e problemas técnicos como luz aparecendo no fundo, problemas de continuísmo e outras coisas, mas apesar de tudo, foi importantíssimo para ganhar experiência , além de ter trabalhado com pessoas incríveis que eu pude conhecer melhor e trabalhar novamente no futuro. Depois meu interesse se aflorou bastante e eu estava mais que decidido que iria cursar Cinema e Audiovisual quando terminasse o curso de artes. Fiz alguns cursos legais no Rio como o de Som para Cinema e TV com o Waldir Xavier (fez edição de som de muito filme foda por aí!!), fiz um semestre da empresa júnior Aspecto sendo um dos “Criadores Audiovisuais” mas sai rapidinho porque não recebia muita demanda.
É impossível também falar da minha experiência audiovisual tendo citado somente a parte visual. Tenho uma paixão enorme pelo som, pela música e todo esse universo. Sempre gostei de me gravar em casa, pequenas musiquinhas gravadas de qualquer jeito, dublava personagens de filme apenas tirando o volume da tv, entre outras coisas. Essa paixão durou tanto que eu sabia que qualquer coisa que eu fizesse do meu futuro, precisaria envolver som de alguma forma. Assim, com a grande ajuda dos meus pais, pude fazer o estúdio dos sonhos que eu tinha desde meus 13 anos. Com o estúdio pronto, muitos trabalhos foram aparecendo, sendo gravações de bandas, videos para youtube e curta-metragens de amigos.
Chegamos então nos dias de hoje, um monitor de Cinema Brasileiro 1 (que apenas exerceu por um único dia antes da quarentena) e que está aí fazendo todo tipo de experimentação audiovisual e sonora em casa para passar o tempo.
A dinâmica de produção de uma trilha sonora original pode vir de várias maneiras. A que é mais ágil é a de ter um material já montado e eu assisti-lo várias vezes sentindo o que está faltando. Mas existe outras formas: tem diretor(a) que gosta de conversar sobre a trilha muito antes até de começar a filmar. Esse é um momento muito legal de absorver referências e testar todo tipo de som possível. Também de pesquisar preços de sintetizadores que eu nunca vou comprar (sem receber uma verba pra isso hehe) somente para ter “aquele timbre” que plugin nenhum oferece. Também tem a de fazer a cena ja pensando na música pré-existente ( ou na referência que o diretorx propõe como maior inspiração). No mais, é sentar na cadeira com alguns lanchinhos e instrumentos por perto e tentar transcrever um pouco da sua imaginação.
Making of da produção da trilha-sonora de "Baixas Lendas da Classe Média Alta: Janaína-Sem-Cabeça". Imagens: Mixirica Records
As imagens são o que mais me inspiram para criar uma trilha original .Acredito que fica mais fácil de tentar complementar (ou subverter) aquilo que você já está vendo. Se a imagem mostra algo sério demais, ou caricato demais, muito provavelmente o diretorx vai querer seguir dessa forma. Mas isso não quer dizer que o roteiro e outros pontos não sejam importante. Muitas vezes o roteirista já escreve o que ele espera que o ator sinta. O trilheiro também pode reagir a esses estímulos e acabar compondo uma obra prima, ou até mesmo uma porcaria, mas o mais importante é estar inspirado.
Normalmente para produzir uma trilha eu gosto de marcar alguns encontros com o diretorx para conversarmos de muitas coisas, sejam referências, sugestões, algumas maluquices que podem abrir um leque de possibilidades para ele(a). Depois me atento aos Deadlines, cronogramas que os próprios produtores estipulam. No meu trabalho solitário, não tem muito segredo, eu preciso ao menos abrir a timeline em branco (como qualquer artista se deparando com o papel ou quadro em branco) e alguma hora vem alguma coisa. O principal é não ter medo de ousar fazer algumas coisas. O julgamento interno nunca pode nos impedir de nada, deixe o julgamento para os diretores, que com certeza vão querer limitar muitas coisas. Nessas horas é ótimo praticar o desapego.
A imagem é algo muito forte. É capaz de influenciar ideologicamente, apresentar sensos estéticos bonitos e grotescos, fazer a pessoa sentir fome, nojo, tristeza, alegria, entre outras coisas. O som somado a imagem, acredito que serve para firmar ainda mais essas sensações. Uma única imagem, pode apresentar uma infinidade de interpretações e a trilha ajuda a guiar o nosso olhar para a interpretação que mais importa no momento. Um filme de terror com uma trilha engraçada, soa bobo e não bota medo em ninguém ( a não ser que a intenção seja brincar com essas convenções e tentar desconstruí-las como misturar singing in the rain com a ultraviolência do laranja mecânica, stuck in the middle of you na cena de tortura em cães de aluguel e recentemente f*ck the police em Us do Jordan Peele). A trilha ajuda a dar profundidade, destacar os personagens do plano bidimensional dos quais estão presos e trazer realismo e identidade as mais diversas criaturas.
Making of da produção da trilha-sonora de "Baixas Lendas da Classe Média Alta: Janaína-Sem-Cabeça". Imagens: Mixirica Records
Acredito que o mais difícil de se atingir em termos de narratividade através da trilha é aquele pedacinho de memória do espectador. É jogar no escuro pois é impossível saber quem vai assistir o filme. Mas com o tipo de imagens produzidas e “prestígios do diretorx” da pra ter uma noção mínima a quem o público se destina. Dá pra observar com que época a direção de arte está se empenhando, em que país, estado e cidade (se não for inventada) o curta se passa. Acho que esse é um dos pontos que mais me interessa, tentar incluir sons que podem remeter uma memória local que toque nas pessoas de maneiras únicas. A trilha pode ser um complexo amontoado de sonoridades específicos daquela região, sons de brinquedos que datam muito bem a época representada ou coisas ainda mais profundas como uma campainha específica que poderia trazer algum gatilho emocional ao espectador.
Ao mesmo tempo que trabalho com trilha sonora, também sou músico. No geral, acho essa idéia de propriedade intelectual uma chatice que limita demais o desenvolvimento de todas as tecnologias, incluindo as artes. Muitas vezes o trilheiro não é capaz de convencer o diretor(x), ou mesmo de criar algo que encaixe tão bem uma música de outro artista. Sim, o desapego é importante, mas o apego também é aquela intuição de que “tem que ser esse, ou não vai ficar bom”. E na maioria das vezes é porque tem que ser e acaba se tornando interessantíssimo observar como uma música concebida por um artista, dentro de um conceito fechado em seu album, pode ser ressignificado quando atrelado a uma imagem. Neste ponto, é muito importante ter um senso de responsabilidade com a obra original também. Músicas são como símbolos e uma vez usados de maneira errada, a associação nunca mais vai ser a mesma.
O pessoal da Filmes do Mato é sensacional. São pessoas que eu considero ter feito uma amizade muito grande e que estão muito abertos a todo tipo de idéias e experimentações. Tive o prazer de trabalhar e me reunir algumas vezes com eles e posso dizer que são extremamente profissionais no que fazem, mas apesar disso, nada soa burocrático demais a ponto de não estarem dispostos a ouvir idéias diferentes e parar um pouco para conversarmos de outras coisas quando necessário. Além disso, é uma satisfação enorme pra mim fazer parte de projetos criativos e divertidos, daqueles que eu tenho certeza que vai estar nos primeiros lugares do meu portfólio para “contar vantagem” de que eu participei de alguma forma.
A situação do cinema independente brasileiro atual é uma grande incógnita pra mim. De um lado, nunca foi tão fácil criar conteúdo, existem vários equipamentos decentes que são acessíveis, diversos festivais querendo manter uma manivela girando, plataformas de streaming crescendo a todos os dias, cursos inteiros gratuitos, tanto por internet quanto durante os festivais. Mas ao mesmo tempo enfrentamos também diversos problemas. Existem muitas pessoas fazendo trabalhos incríveis, mas raros são aqueles que conseguem o alcance necessário para se viver monetariamente disso. Tenho certeza que já conheci pessoas que fariam (ou já fizeram) filmes incríveis se tivessem melhores oportunidades e visibilidade. Infelizmente isso só é possível com o auxílio de leis de incentivo ou no mínimo a aprovação de críticos que curadores que vão “ditar” se seu filme é bom. Porém a arte no Brasil não é incentivada como deveria, muito pelo contrário, cada dia que passa vemos mais coisas sendo cortadas, muitas vezes num sentido ideológico, o que pessoalmente me soa idiota porque o Cinema (e outras produções audiovisuais) gera um PIB absurdo, é uma indústria enorme e que faz girar milhares de emprego.
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